"Como os árabes, os godos tinham no meio de si uma nuvem de peões armados, não menos bárbaros e ferozes que os filhos da Mauritânia. Os montanheses do Hermínio na Lusitânia, aborígines, talvez, daquele país, os quais, na época das invasões germânicas, bem como já na da conquista romana, a custo haviam submetido o colo ao jugo de estranhos e, os vascônios, habitadores selvagens das cordilheiras dos Pireneus, constituíam com os servos um grosso de gente a que hoje chamaríamos a infantaria do exército. As suas armas ofensivas eram a cateia teutônica, espécie de dardo, a funda, a clava ferrada e o arco e a seta.
Requeimados pelo sol ardente do estio ou pelo vento gelado dos invernos rigorosos das serranias, incapazes de conhecerem a vantagem da ordem e da disciplina, estes homens rudes combatiam meios nus e desprezavam todas as precauções de guerra. O seu grito de acometer era um rugido de tigre. Vencidos, nunca se lhes ouvia pedir compaixão; porque, vencedores, não havia a esperar deles misericórdia....."
(Herculano, Alexandre, Eurico o Presbitero)
A Batalha de Ourique desenrolou-se muito provavelmente nos campos de Ourique, no actual Baixo Alentejo (sul de Portugal) em 1139 - significativamente, de acordo com a tradição, no dia de Santiago, que a lenda popular tinha tornado patrono da luta contra os mouros; um dos nomes populares do santo, era precisamente "Matamouros".
Foi travada numa das incursões que os cristãos faziam em terra de mouros para apanharem gado, escravos e outros despojos. Nela defrontaram-se as tropas cristãs, comandadas por D. Afonso Henriques, e as muçulmanas, em número bastante superior.
Inesperadamente, um exército mouro saiu-lhes ao encontro e, apesar da inferioridade numérica, os cristãos venceram. A vitória cristã foi tamanha que D. Afonso Henriques resolveu auto proclamar-se Rei de Portugal (ou foi aclamado pelas suas tropas ainda no campo de batalha), tendo a sua chancelaria começado a usar a intitulação Rex Portugallensis (Rei dos Portucalenses ou Rei dos Portugueses) a partir 1140 - tornando-o rei de facto, sendo o título de jure (e a independência de Portugal) reconhecido pelo rei de Leão em 1143 mediante o Tratado de Zamora e, posteriormente, confirmado pela Santa Sé em Maio de 1179.
A ideia de milagre ligado a esta batalha surge pela primeira vez no século XIV, muito depois da batalha.
Ourique serve, a partir daí, de argumento político para justificar a independência do Reino de Portugal: a intervenção pessoal de Deus era a prova da existência de um Portugal independente por vontade divina e, portanto, eterna.
A lenda narra que, naquele dia, consagrado a Santiago, o soberano português teve uma visão de Jesus Cristo e dos anjos, garantindo-lhe a vitória em combate.
Contudo, esse pormenor foi interposto mais tarde na narrativa, sendo praticamente semelhante ao da narrativa da Batalha da Ponte Mílvio, opondo Maxêncio a Constantino o Grande, segundo a qual Deus teria aparecido a este último dizendo IN HOC SIGNO VINCES (latim, «Com este sinal vencerás!»).
Este evento histórico marcou de tal forma o imaginário português, que se encontra retratado no brasão de armas da nação, cinco quinas representando os cinco reis mouros vencidos na batalha.
Não há consenso entre os estudiosos acerca do local exacto onde se travou a batalha de Ourique. A mais antiga descrição da batalha figura na Crónica dos Godos que aborda este acontecimento situando-o em 1139.
Séculos mais tarde, um dos primeiros autores a abrir a polémica sobre a autenticidade das narrativas foi Alexandre Herculano quando, ao afirmar que “Ourique não passa de uma lenda”, foi acusado de anti-clericalismo. Mais recentemente outros historiadores, entre eles José Hermano Saraiva, voltaram a abordar e a reinterpretar essa questão.
De qualquer modo, como consequência desta batalha, quando o Cardeal Guido de Vico, emissário do Papa, reuniu D. Afonso Henriques e Afonso VII em Zamora (1143), para tentar convencê-los que a animosidade entre ambos favorecia os infiéis, o soberano português escreveu ao Papa Inocêncio II, reclamando para si e para os seus descendentes, o status de «censual», isto é, dependente apenas de Roma, invocando para esse fim o «milagre de Ourique», o que ocorrerá apenas em 1179. Entretanto, naquele encontro, pelo tratado então firmado (Tratado de Zamora), Afonso VII considerou D. Afonso Henriques como igual: afirmava-se a independência de Portugal.
Nesta batalha combateu e foi ordenado Cavaleiro o futuro Grão-Mestre da Ordem dos Templários, Dom Gualdim Pais, fundador das cidades de Tomar e Pombal.